segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

"There is no agony like bearing an untold story inside you."

Deitados juntos em um espaço para um, eles se encontraram, de novo, em pensamentos gêmeos. "Tenho medo." De perder, de te perder, de nos perder. Você arriscaria a felicidade por algo indefinido que talvez ainda precise viver? Viver para crescer, viver para viver...
Dói tanto pensar em diminuir. Em ser menos. Logo a gente, que sempre foi tão tanto, que sempre foi o ideal. Meu ideal você confirmou. O que há de se fazer quando se encontra o amor da sua vida cedo demais? Se for pra ir ali e pra voltar, a gente se encontra de novo?

O homem perfeito, no pôr do sol do dia mais bonito, olha em volta e chora de amor, de tanto amor, transborda, e se joga de um prédio.

Vontade gigante de parar o mundo, deitar no seu colo e te sentir passar a mão nos meus cabelos, só pra te sentir comigo, pra sentir a nossa sintonia que nunca vai acabar. Vontade de te abraçar bem bem forte e cuidar de você, ser ouvido pra tudo que você quiser contar, ser colo pra todo sono, ser cosquinha pra toda carencia, ser comida pra toda fome...vontade de ver o futuro chegar e te segurar bem forte e te dizer "Vamos bolinho, olha que lindo..."

Sentir o paradoxo vivo dentro do seu corpo, da sua mente, te levando pra todo lugar, te afincando, te doendo, te desgastando...
Duas partes antagônicas do coração batendo em épocas diferentes.
De qual desistir, e a qual se entregar?

Talvez seja a ideia de fim que me doa e me inspire mais.
Now what's gonna be?

peter pan and wendy... on wonderland.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Frequência

O dia acordou triste. A pilha do nosso rádio estava no fim, cortando músicas e gaguejando notícias. O ar da cozinha parecia mais cinza e as trovoadas estrondosas pareciam querer preencher o vácuo silencioso que havia se instaurado depois que os ruídos do rádio cessaram de vez.
Abri o pote de café ainda rotulado por sua letra arredondada e coloquei água para ferver no fogão. O dia mal nascia e seus raios já eram afogados pelos pingos grossos que caíam do céu escuro. Sentei na nossa poltrona e me assustei com sua sombra ausente, gelada. Você não me dizia nada, apenas chorava. Chorava lágrimas grossas que caíam dos seus olhos escuros.
Abri meus olhos e procurei tua voz pelo ar. O máximo que pude foi escutar a água fervendo, e sentir o cheiro despertador do café.
Pensei em meu dia sem sua poesia, sem seu bom dia e sem seus beijos de boa noite. Me vi dentro da solidão que me consumia quando desligava o nosso rádio. "À nossa sintonia", você costumava brindar com nossos cafés da manhã. Seu sorriso terno e tão perfeitamente desalinhado e manchado de amarelo-sol se abria e o meu rádio ligava. Ouvia música o dia todo.
Hoje seguro minha caneca gélida e me aconchego no suéter vinho com que você costumava me abraçar.
Enquanto procuro pilhas na gaveta, descubro a falta que sua energia me faz.
Encaixo novas dentro do radinho velho e devagar volto a sentir palavras doces caminhando em minha direção. Não sinto sua pele macia e branca-neve, nem seus cabelos alourados me fazem mais o espetáculo de se derramarem em ondas radiadas. Só tenho sua fé, tão forte pra ter ficado. Há muito levaram a minha, que se esvaia com um sopro.
Sozinha, e com você, ainda vejo o sol que irradia luz dourada fosca por entre nuvens embaçadas. Te sinto dentro.

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Scent

Era madrugada e o quarto cheirava lírios. Luis sentava na cama em frente a Letícia, que quase chegava a sentir o cheiro que ele exalava. Algo entre flores e bebida. Cerveja. Das mais baratas.

Uma leve neblina encobria o redor, e era exatamente em volta de sua aura que o limite entre o ar puro e aquela fumaça toda se definia. Não diziam nada por medo talvez de afetar aquela sintonia, aquele equilíbrio absurdo que tinha se instaurado desde o momento em que Letícia tinha cruzado suas pernas perto do peito, soltado seu cabelo e levantado o rosto. Milhões de palavras passavam voando por entre o curto espaço entre eles.

Tinha sido a mais de oito anos desde a última vez que tinham se encontrado. Nada naquele rosto arredondado de Luis havia mudado. Se acentuado talvez. Os seus negros cabelos agora tiniam um preto carvão de doer os olhos. Sua pele morena, café com leite, estava agora mais definida, no meio exato entre a claridade e a escuridão. Seus olhos verdes, mais verdes do que nunca, pareciam ter roubado o brilho de uma esmeralda, ou talvez passado a noite sobre o orvalho de um pingo de ouro. Reluziam, refletiam.

- Não voltei por você – suas palavras produziam ondas, fazendo dançar a fumaça do incenso que queimava incessantemente.

- Eu sei.

- Não senti sua falta e mal me lembrava de como sua voz soava.

- Entendo.

Os cabelos dela haviam crescido, agora loiros dourados, sua pele escurecida pelo tempo nas férias de Janeiro, seu sorriso meio amarelado e meio desalinhado, havia encontrado um jeito charmoso de se agrupar. Calada, ela não se surpreenderia se ele não lembrasse nem como ela era.

- Conheci a África, parei de fumar, me casei, quis ter filhos. Um dia acordei com o pé esquerdo, e de repente a semana toda eu via um gato preto, e ele me seguiu por meses e meses e bimestres, até que eu quebrei um espelho. Perdi o emprego, a mulher e o ânimo. Voltei a fumar, me afastei de todo amigo ou conhecido. No meu aniversário não recebi nem cartão de loja. Mesmo porque não tenho mais casa, tô só por ai, andando, pensando, fumando...Cantei parabéns em silêncio enquanto tentava trocar a lâmpada da minha última fé, e buscava com toda força alguma coisa que me fizesse voltar a sentir alguma coisa. Vi o mundo em preto e branco, em cinza, em fumaça. Não vivia, plainava. Meu olhar ficava mais sonolento e mais distante e eu não percebi isso porque alguém me falou, mais vi na poça de chuva na rua noite passada quando eu desviei pra não cair nos dois buracos que tinha visto onde eu deveria ter olhos. Comi e chorei muito. Chorei sem sentir, nada saia de dentro de mim a não ser a fumaça do meu cigarro.- e o quarto ficava mais cheio, e os olhos de Letícia se enchiam de algo parecido com lágrimas de dor, mais um pouco menos desesperadas e um pouco mais intensas. – E enquanto eu tomava o último gole de cerveja, o sol refletiu naqueles espelhos aonde ficam os salgados, sabe? Refletiu nos meus olhos, e eu os fechei. Fechei e minhas mãos ficaram em cima deles por muito tempo. A dor passou e minhas mãos ficaram lá, como se elas se recusassem a me deixar voltar e ver toda aquela imensidão perdida que eu não via. Ficaram lá e se apertavam contra meu rosto parecendo querer me proteger, me sacudir, me acordar.

E passaram minutos, até que tudo que me distinguia de estar vivo ou morto era o cheiro daquela cerveja quente e barata na minha frente, e do meu suor misturado com a gordura frita dos salgados que o dono fritava do lado de dentro. E tudo era horrível, e eu quis muito, juro, quase cheguei a tirar a mão dos olhos e pô-la no nariz e me tirar daquela mistura nojenta de imagens e cheiros e sons que eu não queria viver, que eu não queria sentir. Me desculpa, eu não sei se ainda tenho aquela nossa antiga intimidade pra ir falando das coisas assim do jeito que eu tô fazendo, meio desesperado, meio afobado, mais eu acho que você entende né? Vim de tão longe, não por saudade, mais tenho que te explicar... Ou nem tenho se não quisesse, mais é que, sei lá, às vezes me vem a sensação de que quando acontece essas coisas loucas que nem a gente sabe explicar é sempre bom ter alguém do lado pra contar, né? Porque senão você acha que ficou doido e começa a inventar as coisas sozinho...Mais então, é que, no meio disso tudo, dessa merda toda, eu senti um cheiro muito forte, doeu minha cabeça lá no fundo, me arrepiei todo, me deu aqueles apertos que a gente tem quando ta pra descer a montanha russa sabe? Era um cheiro esquisito, e no começo eu não me lembrava de nada que existisse pra poder associar. Abri meus olhos pra procurar e não vi nada, nada forte e nada doce e nada meio cítrico e meio louco que pudesse me contar de onde vinha aquele cheiro. E o mais pirado é que eu cheguei a ver por um instante um rastro no ar, meio que uma fumaça, só que de outra cor...E você vai achar mesmo que eu tô louco, mais te juro que não sei explicar que cor era aquela. Era que nem o cheiro, uma mistura, irisada, um pouco de tudo, um pouco completo, intenso, mais suave, sutil.

Levantei do balcão, e adivinha? Coloquei o pé direito primeiro no chão! E ai que vem...lembrei de você. Lembrei porque tinha alguma coisa naquela cor estranha, alguma coisa naquele cheiro, que me trazia você. E não, não, eu não senti saudades. Pelo menos não de você, entenda. Mais ai veio o porquê de eu vir aqui, voltar aqui...

Mais acontece que quando eu cheguei, quando bati na tua porta, já não sentia mais o cheiro, não via nada. Quase virei as costas e fui embora, achando que você não ia abrir, ou, sei lá. Daí te vi, e desculpa não saber contar direito como era o cheiro e a cor e a fumaça, mais é que eu não lembro. Coisa mais difícil é lembrar de cheiro, né? A gente sente, gosta ou não gosta, e quando passa não dá pra lembrar, escrever, contar...- e a voz de Luis ia ficando mais fraca a medida que escutava o que proferia.

Letícia agora enrolara seus cabelos num rabo mal feito, pro lado, todo imperfeito e bagunçado. Segurava suas pernas e cantarolava uma musica baixinho, uma sequencia que tinha surgido do nada, como se entrasse em seu corpo junto com todo o incenso queimado. Seu olhar desviava e nadava por entre aquele mar que afogava o ambiente. O silêncio de Luis a tocava como nenhuma de seus abraços jamais havia o feito. Levantou seu olhar tímido em direção a estrada reta e profunda que o olhar dele lançava em sua direção.

- Não senti sua falta também, Luis. Te sinto agora.- suas mãos agora soltas se paralisaram encostadas sobre a cama.

Ele levantou-se e perto dela, a centímetros de distância, seus olhos choveram lágrimas. Quietas. O ar conduzira a mão de Letícia, que da inércia se projetara sobre as dele, apertando-as forte. Se juntaram, se abraçaram e choraram juntos, choveram juntos.

- Não sinto amor, sinto você, e quando você estava longe eu não te sentia, não te cheirava, te via, te escutava, te tocava, e você foi parecendo cada vez mais ilusão, cada vez mais esfumaçada na minha memória.

Os pensamentos de Luis iam se multiplicando e iam sendo absorvidos como quando se acende a luz num quarto escuro, como quando se vira a esquina e o acidente acontece, como quando se lê um poema e te sente personagem. Ele entendeu que quando não sentia Letícia, não sentia vida. Mesmo tendo até chegado a sentir, tudo havia passado, tudo tinha se esvaído futilmente. Sentia culpa, culpa por ter ido embora, e alivio por se sentir em casa, se sentir vendo e sentindo e cheirando e ouvindo tudo que cabia nele de verdade, tudo que o coloria.

O quarto refletia cores que coloriam a nuvem no quarto que ia cada vez mais se parecendo com algo concreto. O cheiro de lírios do incenso ia perfumando seus últimos milímetros de ar, enquanto Luis e Letícia se envolviam num abraço que não parecia ter fim e nem cansaço.

O dia amanhecia.

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

...

Meus pulmões se purificaram de alegria quando receberam no seu interior uma leva daquele ar fresco. Meus pensamentos se multiplicavam em turbilhões. O sol quente tocava minha pele coberta por trapos rasgados. Carros, pessoas e idéias se aglutinavam em minha cabeça como se o tempo depositasse na curva de minha mente todos os muitos sentimentos soltos pelas cabeças passantes.
Andei até uma mulher de longos cabelos ruivos e olhos azuis. Parei ao seu lado como se ouvisse o que ela gritava. Ela me olhou, ofendida. Seus olhos se fundiram em lágrimas e engasgada me disse “O que faz aqui?”. E de repente eu já não a via, os seus medos eu já não conseguia mais ouvir e aquela frase entrou consciente em meus neurônios conscientes e me fez sorrir. Foquei em seus olhos perdidos de novo, puxei-a pela mão e corri para as escadas que parávamos em frente.
Ela me seguia, carregando aqueles olhos curiosos. Subimos tanto que sua respiração quis falhar. Seus olhos alegres piscavam sem ritmo. De lá de cima ela via o céu azul límpido. Eu via seus olhos tristes. E a cada pássaro que voava sobre nossas cabeças eu via seus olhos mudarem de modo, de cor e de palavras.
E então passou um bando de andorinhas e eu entendi. Eu vi tudo dentro daqueles olhos, e a sua eternidade imensamente perturbadora me fez entender cada pequeno tudo dentro de mim e dentro da vida grande que me rodeava, me tocava, me cheirava, me sentia, me afogava.
Soltei sua mão e lhe disse com toda a verdade dentro de mim “Lindos olhos.”. O segundo que antecedeu seu sorriso me contou todos os adjetivos que eu iria sentir em meu futuro. E assim aconteceu. Seu sorriso brilhante me despediu daquela imensidão de mundos e me levou de volta às minhas linhas em branco.
Corri até o fim do prédio e o começo do céu. Corri até o começo de um beija-flor e o fim das asas. Corri até o começo da distância e o fim do tempo. Corri para dentro. Corri demais. Ele conseguiu, pensei, enquanto corria pouco, só se esqueceu que homens perfeitos não precisam existir. Voei.

segunda-feira, 20 de abril de 2009

"Abrace sua loucura antes que seja tarde demais"

Era uma vez uma fada. Era novinha ainda, não sabia muito sobre suas asas e então não tinha muita fé de que elas a levariam pra cima daquela relva verde que a rodeava. Voava sempre a uns poucos centímetros do chão, e até via outras fadas voarem mais alto, mas a sua televisão mostrava a mesma coisa, e ambas pareciam tão irreiais, já que não era com ela... Ninguém nunca tentou dar a mão para a fada e dizer que a levaria para cima, que a ensinaria sobre a vida sob o céu.
E como não o fizeram, ela se acostumou, e sempre foi a normalidade voar como ela voava.

Mas o que não é bom de algum jeito, nunca se adapta completamente. O inadaptável não se acomoda, uma vez que algo sempre suscita pra denunciar o incômodo contido.

As asas da fadinha começaram a pulsar, a dar surtos de voo, a sofrer espasmos. A fada assustada, sentiu fortemente a realidade que já imaginava existir: não podia ser só aquilo.
Se agarrou no olhar de uma outra fada que passava por ali, e que sem dúvida pareceu gostar da companhia da amiga. Voaram e chegaram alto. Os olhos da fada agora já alcançavam por trás dos hologramas, e sua asa batia inquieta, e de tão rápida, parecia flutuar num movimento intacto.
Mas a fada a quem tinha se agarrado resolveu voltar para o solo, uma vez que não tinha tirado os olhos do chão, e deixou o holograma absorvê-la mais uma vez. E essa puxou a fada real para onde tinham partido, e a fada, ligando aquele sentimento explosivo que carregava agora, depois de ter voado alto, com o companheiro das alturas, associou o seu bem estar á fadinha cega, e não ao seu voo.


Acabou voltando ao chão e por dias não conseguiu levantar voo, pois sua memória havia guardado as instruções milimetricamente desenhadas com mais um personagem no enredo.
Se consumiu horas tentando descobrir não o que havia vivido, mais sim o que esteve vivendo por tanto tempo. Aquela não-vida, aquela falta de cores, aquela ausência de luz.


E um ano se passou, e a fada agora consegue pelo menos olhar para cima. E sabe que conseguiria voar. Mas o sentimento emitido na travessia, no caminho vivido era tão colorido em sua memória, que seus pézinhos leves quase se recusavam a levantar voo sem um olhar de companhia.
Mas a natureza não obedece a caprichos: sua pequena asa volta a pulsar um sangue intenso, faminto por sentimentos. Fada de limites. Chega ao fim de suas capacidades, pra poder alçar voo e abranger seus 'ilimites'. Explora cada dor, inconsciente.

Tenta não pensar, não magicar, mas é quase inevitável. Ouve, sempre, de quem chega perto: "Vem, vamos além."
Mas ela tem que se libertar. Deixar seus pensamentos correrem soltos, brincarem, rirem, se esbaldarem no parque florido e fresco de sua imaginação. Não pode, logicamente, deixar de separar os limites da sua cabeça e da sua realidade. Vão acontecer sempre diferentes, como cada batida quase gêmea de suas asas. Mas tem que criar a luz. A luz de dentro, pra não deixar a escuridão de fora penetrar e invadir o seu brilho.
De dentro, a luz se espande. E vai buscar alimento, razão pra existir. Afinal é isso que tudo sempre faz. Busca razão, nexo, história, correspondência.

Quando ela entendeu isso, voou de olhos fechados. Abriu os braços e sentiu. Fagulhas abriam seus olhos, asas risonhas dançavam irisadas, e a fada voou até aonde ela sonhava.

domingo, 12 de abril de 2009

Limite

Tem dias que o corpo não encontra a alma. E então paramos o corpo pra sentir a alma querendo ser mais, a alma sonhando em viver.. E o corpo devagar, o corpo inanimado é tão mais lento do que o tudo imenso que a alma só imagina... Dói não ter o corpo do tamanho da alma, dói expandir, dói parar o corpo, dói sentir a alma. Dói na alma e no corpo.

O vácuo entre esses dois espaços e tempos é muito abismático, asmático, ensurdecedor. Afoga, aperta, machuca e questiona o sentido da melodia que eles tocam quando se encontram por inteiro.



Nem todo dia somos inteiros.

quarta-feira, 8 de abril de 2009

Sei e sinto a mudança de fora, e principalmente a de dentro de mim. Quanto mais nos segurarmos a sentimentos, iludidos pelo conceito de que pra ser eterno tem que ser igual, perderemos todas as pequenas mágicas dentro de cada tudo e pessoa, que suscitam sentimentos nunca sentidos. Mudança é a eternidade.

terça-feira, 21 de outubro de 2008

Lado

Eu costumava subir até a sala mais alta do castelo com meus retalhos guardados em uma caixa púrpura, e lá eu permanecia costurando e remendando pedaços soltos, uns nos outros, até que o sol roubasse a minha atenção para seus raios que atravessavam o vitral e enchiam a sala de fagulhas rosas. Todos os dias, em dez anos, eu permaneci maravilhada olhando aquela dança que o vento e a luz performavam. E assim que o sino batia, a voz delicada de Gael me convidava para o chá. Era basicamente só aquilo que conseguia me disperçar do mundo de uma cor só que havia me integrado. Descia as escadas calada, e limpava a poeira rosa que me cobria os olhos e a roupa e a alma. Pelo caminho, deixava rastros que iam dançando graciosamente até se dissolverem naquele mundo cinza.

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Mais uma de você

Era vermelha, média e gostosa. Tinha os contrastes necessários para ter uma aparência apetitosa assim como tinha os ingredientes contrastadamente certos para ter o gosto certo. O gosto que, curioso, me faz ter saudade dela. Ela não ficou comigo por mais de alguns segundos, não me contou segredos mágicos sobre a sua composição, não fez minha vida mais completa por uma eternidade. Só tocou meus lábios delicadamente, se fazendo completa dona de minha atenção por alguns segundos, deixou a conexão sentir/pensar mais evidente quando percebi que o seu crocante aumentava ainda mais a minha fome, percebi que o seu doce me viciava sutilmente e o seu morango quebrava o que meu paladar já começava a se acostumar. Era uma sintonia perfeita, com suas castanhas rabiscando pontinhos na massa apetitosa que me encantava na perfeição dos seus contornos.

Veio de fora, entrou em mim e completou matematicamente uma parte que não precisava de complemento certo, que só precisava de algum. Ou talvez até nem precisasse. Mais foi ela que levou minha necessidade embora.

E agora ela já não existe visivelmente para mim. Existe por dentro, nas minhas veias, no vai e vem de todos que moram dentro de mim, nos meus pensamentos que esbarram suas arestas pelos seus morangos, nas correntes de água que entram agitadas tentando levar embora qualquer forma errada. Nas correntes de sorrisos que ficaram gravados e que superam a dor quando não ha rostos. Mais o que é a dor? O que são sorrisos? O que são rostos? Não vejo nenhuma dessas três palavras verdadeiramente presentes agora. Apenas sinto o esboço da uma lembrança de alguma coisa, que mais faz ter a certeza de estar escrevendo sobre três coisas que existem.

Mais o que é existir? Minha tortilha, vermelha castanha e branca, pastosa e crocante, adocicada e levemente ácida, existia em minha frente, privou minha visão e alimentou viciosamente minha imaginação incansável quando entrou dentro de mim, e agora é o que? Agora ela é eu?

Mais quem sou eu?

Sou eu, ela? Sou eu, os sorrisos? Sou eu, as dores, os rostos?





Assim acho que não há pecado se eu me sentir um pouquinho você. Você que me deixou por fora e que só fez minha fome de querer saber os porquês das coisas serem como são aumentar...E agora entendo que as coisas são como são, porque eu sou como sou. E que na verdade, ninguém é inteiramente, porque ninguém é o que os outros são. Pelo menos não totalmente. Só uma pequena parte, um pequeno sentimento comum, uma pequena palavra com o mesmo sentido, uma cor com a mesma cor que dois olhos veem. Tão raro isso, ser igual por dentro. E é isso que liga algumas pessoas a algumas pessoas. Será? A força calada e inexpresível de um sentir/pensar gêmeo, que não atrai, mais mantêm...E ai, nossa preguiça vai e joga seu pozinho, afim de não querermos pensar e conversar e entender, que a gente vai aprendendo a ser só a gente, esquecendo que a gente só vai ser alguma coisa de verdade quando a gente for todo mundo.



Você me deixou por fora. Por dentro alguma coisa muito parecida com você e comigo, e com a gente, ainda pulsa, corre, nada, nas veias, nos músculos, na água do meu sangue. Ou talvez não, quem sou eu pra explicar as razões do seu eu dentro de mim não ter ido embora?

Quem sou eu pra dizer que alguma coisa vai embora...

sexta-feira, 25 de julho de 2008

contigo

E de repente uma vontade livre e ousada de não ter mais saudade suscita em meu peito, domina minha cabeça e completa minhas razões. E daí eu vejo que algumas coisas existem por não existir nada. A vontade de ser cheio, de ser, apenas, é tão grande que nasce. A minha saudade só existe porque queria não ser mais uma saudade. Queria você, já perdi o controle dos porquês, já não faz mais sentido, já não tem mais razão. Mais se ainda é, alguma coisa deve ter sido real (ou irreal) o suficiente pra atravessar tanto tempo, tanto espaço.Me confundo nas palavras, já não faço sentido, ele ficou em você.
Não quero que eu esteja em você, por mérito dos meus pensamentos. Quero estar ai porque você quis, e por nada mais. E se você quiser, se só por um segundo o teu sentimento dar as mãos com o meu e eles se casarem porque se descobriram irmãos demais, eu vou prai. Eu vou e, se você quiser, eu fico todo dia. Fico até que o sentido se perca e não queira mais ter vontade de existir. E se você quiser, eu espero. Espero até que o nada que nasceu da morte do sentido seja mãe de uma nova sintonia, de um novo sentimento. E se ainda existir um pouquinho de amor, e se você quiser, eu prometo que não vou embora nunca mais.

vou fingindo ser o que eu já sou

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"O melhor drama está no espectador e não no palco."