quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Mais uma de você

Era vermelha, média e gostosa. Tinha os contrastes necessários para ter uma aparência apetitosa assim como tinha os ingredientes contrastadamente certos para ter o gosto certo. O gosto que, curioso, me faz ter saudade dela. Ela não ficou comigo por mais de alguns segundos, não me contou segredos mágicos sobre a sua composição, não fez minha vida mais completa por uma eternidade. Só tocou meus lábios delicadamente, se fazendo completa dona de minha atenção por alguns segundos, deixou a conexão sentir/pensar mais evidente quando percebi que o seu crocante aumentava ainda mais a minha fome, percebi que o seu doce me viciava sutilmente e o seu morango quebrava o que meu paladar já começava a se acostumar. Era uma sintonia perfeita, com suas castanhas rabiscando pontinhos na massa apetitosa que me encantava na perfeição dos seus contornos.

Veio de fora, entrou em mim e completou matematicamente uma parte que não precisava de complemento certo, que só precisava de algum. Ou talvez até nem precisasse. Mais foi ela que levou minha necessidade embora.

E agora ela já não existe visivelmente para mim. Existe por dentro, nas minhas veias, no vai e vem de todos que moram dentro de mim, nos meus pensamentos que esbarram suas arestas pelos seus morangos, nas correntes de água que entram agitadas tentando levar embora qualquer forma errada. Nas correntes de sorrisos que ficaram gravados e que superam a dor quando não ha rostos. Mais o que é a dor? O que são sorrisos? O que são rostos? Não vejo nenhuma dessas três palavras verdadeiramente presentes agora. Apenas sinto o esboço da uma lembrança de alguma coisa, que mais faz ter a certeza de estar escrevendo sobre três coisas que existem.

Mais o que é existir? Minha tortilha, vermelha castanha e branca, pastosa e crocante, adocicada e levemente ácida, existia em minha frente, privou minha visão e alimentou viciosamente minha imaginação incansável quando entrou dentro de mim, e agora é o que? Agora ela é eu?

Mais quem sou eu?

Sou eu, ela? Sou eu, os sorrisos? Sou eu, as dores, os rostos?





Assim acho que não há pecado se eu me sentir um pouquinho você. Você que me deixou por fora e que só fez minha fome de querer saber os porquês das coisas serem como são aumentar...E agora entendo que as coisas são como são, porque eu sou como sou. E que na verdade, ninguém é inteiramente, porque ninguém é o que os outros são. Pelo menos não totalmente. Só uma pequena parte, um pequeno sentimento comum, uma pequena palavra com o mesmo sentido, uma cor com a mesma cor que dois olhos veem. Tão raro isso, ser igual por dentro. E é isso que liga algumas pessoas a algumas pessoas. Será? A força calada e inexpresível de um sentir/pensar gêmeo, que não atrai, mais mantêm...E ai, nossa preguiça vai e joga seu pozinho, afim de não querermos pensar e conversar e entender, que a gente vai aprendendo a ser só a gente, esquecendo que a gente só vai ser alguma coisa de verdade quando a gente for todo mundo.



Você me deixou por fora. Por dentro alguma coisa muito parecida com você e comigo, e com a gente, ainda pulsa, corre, nada, nas veias, nos músculos, na água do meu sangue. Ou talvez não, quem sou eu pra explicar as razões do seu eu dentro de mim não ter ido embora?

Quem sou eu pra dizer que alguma coisa vai embora...

2 comentários:

Leozoide disse...

Amo seus textos!
Estou com a cabeça meio cheia para deixar um comentário realmente produtivo, qdo eu estiver melhor eu escrevo algo mais interessante e filosófico.

Keep on writing, sweet girl!

Anônimo disse...

[i]Pequena Amélie Poulain.

vou fingindo ser o que eu já sou

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"O melhor drama está no espectador e não no palco."